17 de fevereiro de 2010

Todo Carnaval Tem Seu Fim

    Amontoando garrafas de cerveja na mesa a sua frente, ele olhava para o meio do salão lotado e animado. Havaianos, cowgirls, homens das cavernas, bailarinas, lado a lado, dançando e cantando músicas tão velhas quanto seus avós, rindo e gritando, e sendo feliz pela simples razão de o ser. Mas o homem da mesa não está feliz, ele não é feliz a dias.
    A serpetina colorida, rosa e amarela, enrolada em seu rosto e cabelos chega a ser irônica. Ele a afasta, toma mais um gole. Na multidão de corpos ele divisa apenas duas pessoas, como se fossem as únicas peças coloridas de um quebra-cabeças cinza. Ele divisa apenas ela e o homem que a cerca, um cara que nunca viu antes. Ele é alto, vestido de caipira, tem as mãos ao redor da nuca dela, que não oferece resistência, pelo contrário, parece gostar. "Escroto, que fantasia rídicula, ele nem ao menos é bonito, ela pode conseguir alguém menos pior." pensa o homem da mesa. Já o homem da fantasia só pensa na mulher a sua frente, a mulher que agora beija. Mais um casal no salão que vê a formação de dezenas deles. O homem da mesa vira o seu copo de cerveja em pouco mais de um gole "Eu devia ter ficado em casa, maldita coincidência, mas também, devia imaginar que ela viria, idiota, idiota."
    "Idiota, porra, porque tu ta te incomodando? Vocês não são mais nada, nada, e tu que fez isso, ela é livre, tu também, levanta e faz algo, tenta viver." Ele terminou com ela faziam já algumas semanas, pouco mais de um mês. Talvez até dois. A situação era insustentável, mas ele pensou bastante antes de tomar a decisão, pensou se valia pena continuar, pensou se valia a pena terminar com algo que já tinha seus 3 anos. "Não, eu fiz certo, eu tinha que ter feito. Se não fosse eu, ela faria mais cedo ou mais tarde, tinha que acontecer logo antes que tudo se fudesse de vez." O fato é que a relação gastou-se como gastavam-se as vozes em brigas sem porque. Ela está agarrada no caipira, dança colada a seu corpo, tem as mãos em seu pescoço. Ainda o beija. "Porque diabos eu ainda olho?"
    Chegou a um ponto em que já não riam. Ele fazia as mesma piadas de sempre, as mesma tiradas irônicas, mas recebia apenas sorrisos frouxos. Iam aos mesmo lugares de sempre, mas agora os odiavam. Ele notou que não havia mais volta quando percebeu que conversa com ela por pura obrigação. Não era um prazer, os assuntos não os interessavam, não davam respostas longas. Trocavam palavras porque o que se espera de um casal de namorados jovens. Também se espera amor, e isso estava rareando cada vez mais... "Eu tenho que levantar, pegar alguém, sei lá, essa porra de cerveja não tá me fazendo bem." A bebida sempre o deixava melancólico. E pelo visto, deixava a ela mais solta, pois só faltava tirar a camisa do caipira em público. O sangue subia a cabeça do homem da mesa, enquanto tudo a sua frente se inundava em confetes. "Isso é ciúmes, vamos admitir. Mas não faz sentindo, não tá certo."
    Nesse momento, até mesmo um pouco antes, ele percebeu que sentia falta dela.
    Tudo bem que o fim tinha sido terrível, uma comédia de erros, um inferno para todos envolvidos. Mas não podia evitar de lembrar certas coisas com doçura. Pequenos momentos de afeto em meio as guerras e brigas e choros e mágoas pareciam ter valido mais do que qualquer coisa. Ele começou a pensar no começo do namoro, quando pensava sempre num modo diferente de dizer "oi" a ela, de quando tinha dezenas de planos para os finais de semana, de quando corriam de mãos dadas na chuva, de toda essa melosidade e afetação que o amor injeta nas rotinas. A bandinha que animava o ambiente agora cantava "Bandeira Branca a plenos pulmões. Não chegou a se arrepender de ter terminado com ela, apesar desse sentimento fazer de tudo pra abrir um espaço e fugir e tomar conta. Mas arrependimento não era com ele.
    Levantou da cadeira na qual estava sentado faziam horas, sacudiu o corpo e fechou a conta. Deu uma última olhada pra ela, como imaginava, ainda junto do caipira agora sem chapéu e com a maquiagem de barba completamente borrada. Se virou, e pegou o caminho pra fora do salão.
    "Fica bem guria. Até a próxima."