26 de março de 2010

Outrora

    Comprei um vidro de perfume, igual aquele que usava quando ainda estávamos juntos. Com ele em punho, espalho o aroma forte, quase um cheiro de álcool, pelo ar do quarto. Adentro a nuvem de memória olfativa que se forma, e isso entra pelo nariz, entra pelos poros, vai fundo na cabeça, me lembra de outras paredes, outros lençóis, outras certezas.
    Se não penso na sua face sempre, a imagem vem fácil quando se quer lembrar, quando algo força-e a lembrar. Difícil seria esquecer o rosto de linhas angulosas, marcantes, e com os olhos bem fechados eu poderia pintar um grande quadro, com esse rosto emoldurado por dezenas de cores, imagens abstratas explodindo ao redor, faria isso com essas músicas tristes de sempre tocando ao fundo, talvez escrevendo um verso no retrato, um desses que nós recitávamos juntos.
    Enquanto isso, abro uma daquelas caixinhas com alguns souvenirs sentimentais e guardo o perfume para outra hora.