22 de novembro de 2010

Fragmento De Um Fim (De Noite)

Nós dançamos. A enormes caixas de som ressoam, no ritmo de alguma dessas músicas pop. Estamos suados e em silêncio, as luzes multicoloridas e piscantes nos envolvem, como uma névoa. Mal conseguimos manter nossos olhos abertos. Ela abaixa a cabeça, que balança ao sabor da música, e enlaça as mãos atrás da minha nuca. Sinto sua pele roçar contra a minha e me pergunto como deixamos as coisas morrerem desse jeito. Não sinto mais nada.

A música acaba e logo começa outra, que me parece exatamente igual. Acho engraçado não saber o nome de nada que tenha tocado nessa noite. Faz muito tempo que não ouço rádio, mesmo. Tem muitas coisas que não faço há muito tempo.

Digo qualquer coisa inaudível e vou me sentar na mesa, num canto escuro. Tomo um gole da cerveja choca. Então, enquanto acendo mais um cigarro, vejo, com o canto dos olhos, ela se aproximar. Se agacha e põe os lábios colados aos meus ouvidos.

- Então, o que a gente faz agora?

- Sei lá – respondo, segurando o cigarro entre os dentes. – A gente aproveita.

- Por que a gente muda tanto? – mais uma pergunta, naquele tom de voz único dela.

- Não saberia te dizer.

- É mesmo uma pena...

Ela se senta do meu lado e se cala, sutilmente. Sopro fumaça no ar e fico imaginando mil desenhos formados ali. Olho pro lado e a cabeça dela repousa, dormindo sobre meu ombro. Paz, então, em nós dois. Pena que só na superfície.

Adeus.

9 de novembro de 2010

Viagem À Lugar Algum



    No último momento desistiu de levar malas ou qualquer coisa assim, não faria sentido mesmo. Então, com nada mais e nada menos que a roupa do corpo e umas moedas tilintantes no bolso, entrou no carro. Tudo ali fervia, estava estacionado há horas no sol. Girou a chave e ouviu os engasgados roncos do motor. Não era um carro novo, mas nunca o tinha deixado na mão. Passou a mão no câmbio, como quem faz um carinho, e tirou o carro daquela ruazinha lateral onde o tinha deixado. Dali ele saiu lentamente, para aproveitar a visão da pequena praça ao lado, seus balanços de longas correntes, seu escorregador multicolorido, suas árvores grandes e caídas, jogando sombra para cima das crianças que brincavam com areia, a deixando escorrer, grosa, por entre os pequenos dedos, garimpeiros em busca de nada além de um pouco de diversão. Aquilo lhe tocou, de alguma forma que não podia calcular.
    Dobrou uma esquina, pouco metros à frente, e depois outra, mais adiante, já numa rua movimentada, entrou numa grande avenida, com seus coqueiros imenso se erguendo dos canteiros rasgando o céu da manhã, projetando suas folhas contra o azul esmaecido. O carro ia, amassando as grossas folhas do coqueiros que estavam caídas na rua, fazendo um som oco e alto. Passou pelas rótulas e viadutos, e em pouco tempo saiu da cidade, e ganhou a estrada, aberta, como uma rota infinita, se desnudando a sua frente. Colocou uma música, em volume alto, pra tocar, Bruce Springsteen, Born To Run, achou que seria adequado, mas desligou o som logo. Não era momento pra músicas mesmo. Preferia seguir apenas com os sons da sua cabeça, remoendo os sentimentos mais uma vez. A estrada estava surpreendentemente vazia, apenas uma ou outra carreta solitária, cortando o asfalto. E ele ia rápido, mas numa velocidade mansa, calma, numa velocidade sem pressa. O vento entrava no carro pelas janelas escancaradas e lhe baguçava todo o cabelo. Pisou mais no acelerador, pra deixar o vento mais forte.
    Uma hora depois, um pouco mais ou um pouco menos, chegou na cidade. Dobrou uma porção de ruas e parou diante do calçadão, diante da praia. Estacionou o carro ali mesmo e desceu, as pernas um pouco adormecidas. Sentada no chão, estava uma garotinha, com seus cinco anos, sentada ao lados dos quiosques fechados, e segurando uma grande balão vermelho. Não parecia perdida, mas estava sozinha. Exatamente como ele. Era loira e tinha imensos olhos castanhos, que o encaravam. Sorriu pra ela, e, ao passar perto perto, disse "bonito balão".
    Tirou os sapatos e as meias, os deixou ali mesmo e desceu as escadas que levavam a areia. O lugar estava deserto, era ele, o dono da praia, o senhor das terras abandonandas, livre para fazer o que quisesse. Foi andando lentamente, parando às vezes para enfiar os pés na areia morna. Parou diante do mar, sentindo na pele a maresia salgada e de um cheiro enjoativo. Dobrou os jeans até um pouco depois dos joelhos e foi entrando no mar, a espuma branca, gelada, envolvendo as pernas, o chamando pra dentro de si, pra dentro de algo muito maior. E ali na água, seguiu caminhando, foi indo.
    No calçadão, a garotinha, que olhava impassível, soltou o balão, que subiu aos céus, empurrado pelos ventos, foi até nunca mais.