20 de janeiro de 2011

De Quando Eu Podia Vestir De Flores Teus Cabelos

Não é mesmo curioso, para não dizer estranho, que uma palavra jogada de qualquer modo sobre uma mesa, de almoço ou de bar, nos transporte no tempo como se esse não fosse nada e nos coloque numa situação já vivida e já aquietada, já presa numa gaiola de grades grossas que temos aqui dentro em algum lugar, não é mesmo curioso? Uma única palavra, que pode ser falada normalmente ou até mesmo sussurrada entre dentes, uma única palavra ou talvez um único nome, o que é ainda mais poderoso: o nome de alguém que passou e que por passar é passado, não estando mais presente no momento em que seu nome surge à tona de uma conversa banal. Ouvimos esse nome e o mastigamos em nossos ouvidos, talvez demorando ainda um pouco para sermos atingidos, talvez recebendo na hora os efeitos da flechada certeira. A conversa ao redor segue, e talvez já nem envolva mais aquele nome (ou palavra), mas nem prestamos atenção, pois já nos afundamos dentro de nós mesmos, indo até o fundo para catar as conchas das memórias. Os anos começam a correr e a girar ao nosso redor, as folhas arrancadas dos calendários pulam do chão onde foram atiradas e se colam novamente (é como rebobinar uma fita), quando nos damos conta já não se vê a mesa, de almoço ou de bar, nem as pessoas ao seu redor. Vemos aquilo que o nome (ou palavra) nos causou, o momento em que nos causou, talvez uma lembrança banal, mas significativa em cada colorido detalhe. Vemos aquele dia, tanto tempo antes do fim e mais tempo ainda antes de nos lembrarem seu nome, em que ela nos pediu para amarrar seus cabelos numa trança, e enfeitá-los com flores diversas, e nós fizemos, rindo, enquanto olhávamos, no espelho à sua frente, ela rindo também. Surgem de volta mais que as imagens, surgem os cheiros (o perfume dela borrifado pelo quarto), surgem as sensações (o cabelo dela liso e macio entre nossos dedos), surge toda uma vida que já não é mais, e que nós enterramos, conscientemente, não por ser ruim e sim por ser agradável demais. Mas, tão de repente quanto foi construído, esse castelo de memória se desfaz (as folhas do calendário de volta no chão) quando alguém na mesa, talvez a mesma pessoa que disse o nome (ou palavra), no chama e nos diz outra coisa qualquer, um comentário sobre o clima, talvez. Voltamos ao agora e é provável que não voltemos àquela cena enquanto não ouvirmos aquele nome de novo, atirado por sobre outra mesa. Não é mesmo curioso?