1 de setembro de 2009

Eu Nunca Quis Sangrar Teu Coração

Os tênis entravam fundo na grama alta. Os sons de crianças brincando ao longe se misturavam com o vento que batia as folhas das árvores. Pensava que não seria feliz nunca. Sempre que as coisas se acertavam, sempre que tudo ia bem, ele dava um jeito de acabar com tudo. Devia ter algum mecanismo de auto-sabotagem, e isso lhe incomodava profundamente.
O pior é que se magoava e magoava aos outros, sem saber porque. Simplesmente fazia. Era assim desde sempre, e talvez fosse assim pra sempre. Às vezes, fazia esse tipo de coisa sem perceber, sem notar. Mas quando notava, vivia algumas noites péssimas, deitado num quarto escuro, gastando cds do Radiohead e do Joy Division. Noites de depressão, enfim.
Era um domingo meio cinzento, cheio de nuvens com formas abstratas, daquelas que os namorados se divertem tentando adivinhar o que significam. O parque estava cheio. Eram férias de inverno. De inferno, pra ele. Tinha feito tudo errado de novo. Suas fundas olheiras roxas denunciavam isso. Provavelmente tinha machucado muito ela. Se sentia um merda. Se sentia uma bomba-relógio. Agora andava, para ver se a vontade de chorar ia embora.
Ele era um cara emotivo. Apaixonado por tudo. Principalmente por ela. Mas não sabia lidar com isso, não sabia lidar com seus sentimentos. As coisas rodavam, nas suas mãos viravam facas, rasgando a todos que ele amava. O que sentia de bom acabava virando arma. Por isso andava sem rumo. Sentindo o vento gelado bater no rosto e invejando a felicidade alheia. É, o parque não tinha sido um bom lugar para pensar. Os casais sentados (todos perfeitamente felizes) nos bancos de pedra, lhe intimidavam. Pareciam gritar, perguntar porque ele não podia ser assim, igual a eles.
Achou que devia ir para algum lugar mais calmo. O que sentia era tão forte que ficava quase físico, deixando um gosto amargo na boca. Será que ia deixar de ser assim um dia? Será que quando “crescesse” ia aprender a viver sem machucar ninguém? Pensava que nunca ia ser o que se esperava dele. Pra piorar, a faculdade vinha como um fantasma. Outra assombração era a imagem dela. Ela que chorou na noite anterior (e por toda a noite), quando ele não soube explicar o porque queria terminar o namoro. Mas isso, nem ele sabia. Não conhecia os motivos. Amava ela mais que tudo. Poderia se jogar na frente de um trem, de cima de um penhasco, se ela assim quisesse. Podia mesmo, mas achava que não dava mais pra viver ao seu lado.
Chegou ao laguinho do parque. Estava vazio. Todo mundo resolveu ficar no sol, e o lago era uma parte bastante sombreada e afastada do parque. Haviam grandes e antigas árvores por ali, com corações e nomes de amantes riscados em seus troncos. Algumas dessas árvores (e inscrições) eram mais velhas do que ele. Ele que achou que devia se desculpar com ela. Amarrar as pontas soltas. Não queria seu ódio. Ou ainda pior: sua indiferença. Se ela começasse a ignora-lo, ignorar suas mensagens, ignorar seus recados, ignorar sua presença. Se ela o ignorasse, ele ia morrer um pouco mais por dentro. Talvez literalmente. Como se pudesse ficar ainda pior...
Com a presença dela na sua cabeça sempre, tirou os tênis vermelhos, as meias rasgadas. Colocou-os com cuidado ao seu lado. Dobrou a barra dos jeans até acima das canelas. Mergulhou os pés na água fria, e um tanto quanto suja. Mergulhou os pés na água e sentiu a vontade chorar se afastar um pouco. E isso era o mais perto que ele poderia chegar de um sorriso naquele dia.

2 comentários:

  1. Lindo!
    E olha que eu nem tenho paciência pra ler textos grandes, mas esse realmente valeu a pena.

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