23 de dezembro de 2009

Here Comes The Sun, Little Darling



A cor da qual o Sol fica após um tempestade rápida é linda. As nuvens escuras e pesadas se dissipam, abrindo caminho para um Sol de cor inominável que inunda o céu de tons amarelados, alaranjados. É um bela cena pra se admirar, além de ser uma metáfora óbvia.

Sempre que isso acontece eu pego meus cigarros e sento na minha varanda pra observar, ver o amarelo ir devorando os espaços antes ocupados pelo negro das nuvens. O chão continua encharcado e ainda vai levar um bom tempo pra secar, deixando aquele cheiro de terra molhada suspenso no ar. Tudo é carregado de uma poesia meio exagerada, o ambiente perfeito para pensar. Eu fico lá, sentado na pedra molhada remoendo as misérias e glórias que estiverem na minha cabeça.

Fico lembrando dos meus últimos meses, de como as coisas viraram depois daquele Reveillon, eu já não sabia nem o que sentir, muito menos o que fazer. Ela foi desaparecendo da minha vida, não aos poucos, mas abruptamente, como frases a lápis sendo apagadas por uma borracha. Era estranho, meu olhos gostavam de te ver, mas sempre te buscavam quanto tu não estava lá. Mas já não importa, eu já não conjugo verbos no passado. O tempo passa, ele sempre passa.

E passou, abrindo as minhas nuvens e me mostrando um Sol absurdamente lindo, que ilumina um caminho estreito, ladeado pro flores de todos os tipos, pelo qual eu sigo, meio desconfiado, meio inseguro, mas feliz.

28 de novembro de 2009

Sem Poder Voltar Atrás



And you can never quarantine the past...

       O pior momento foi quando percebeu que era tarde demais para voltar atrás, que o tempo tinha passado de forma implacável e imperdoável, destruindo caminhos que ainda pudessem estar abertos, impossibilitando qualquer chance de redenção. E ele notou isso, de forma dolorosa, quando viu que havia deixado pelo caminho as coisas que tinha feito, a pessoa que tinha sido, e principalmente, a pessoa por quem tinha vivido. Quis juntar as memórias em pequenas caixas e abandoná-las num canto do quarto, mas aprendeu que isso tudo é pessoal demais pra ser suprimido tão facilmente, aprendeu que as lembranças podem ser esquecidas por um tempo, mas voltam como fantasmas incansáveis.
       Ele tentou apagar todos os vestígios que ela um dia deixou em sua vida. Criou um mundo todo falso, uma realidade diferente onde os dois nunca tinham se conhecido, e assim sendo, nunca feriram os sentimentos uns dos outros. Mas foi apenas uma armadilha para si próprio. Foi pior quando as memórias voltaram. Viu que ambos viraram pessoas diferentes, que haviam passado por grandes mudanças, interiores e exteriores, e estavam mais separados do que nunca. E só aí percebeu que, no fundo, nunca quis isso, e o arrependimento começou a se infiltrar em todos seus pensamentos, envenenando a calma, confundindo tudo.
       E para apagar a dor, bebeu. Bebeu de tudo, em todas as horas. Caiu em bares imundos, dormiu no chão cheirando a álcool. Tentou viver de tudo, para ocupar a cabeça. E foi atrás de outras, noite após noite, buscando gurias que se parecessem com aquela que lhe martelava a memória. E as conseguiu, teve muitas delas, mais do que já havia tido até aquele momento. Mas o vazio continuava ali, os braços delas não tinham o mesmo aconchego, o calor delas era diferente, ele não se sentia como deveria. Algumas ele chegou a chamar pelo nome da outra, como se tivesse voltado no tempo. Às vezes elas não percebiam. Às vezes ele levava tapas, mas nem os sentia.
       E seguiu assim, pulando de erro em erro, até um dia que acabou se mostrando diferente daquela rotina de desilusão. Ele saiu de casa, foi a festas como sempre, bebeu como sempre, saiu à procura de conforto feminino como sempre. E encontrou ela. Não ‘‘ela’’, mas sim outra guria. Uma que o atraiu de uma forma diferente, que não sentia a tempos. Puxou conversa, se sentiu levado por alguma força a muito desconhecida. E no final da noite, ainda acompanhado pela guria, olhou no fundo dos olhos dela. Azuis e profundos, passavam uma idéia de desamparo, uma certa tristeza. Olhou nos olhos dela e percebeu que se sentia bem pela primeira vez em meses, se sentia completo. E não sentia a menor vontade de chamá-la pelo nome de qualquer outra pessoa.
       E então, ele finalmente sorriu.

27 de novembro de 2009

Me Odeie Tanto Quanto Possível


Eu lembro cada beijo que eu te dei!

Me odeie. Me odeie como nunca odiou alguém, se esforce pra isso. Me imagine como a pior das criaturas, algo que tu não suporte. Eu quero que tu acorde todos os dias fazendo planos pra destruir a minha vida. Que olhe pra mim e sinta tanta raiva quanto for possível. E eu peço isso porque não agüentaria a indiferença. Se não existe mais amor entre nós, por favor tenha algum sentimento em relação a mim. Se o único possível for ódio, serei feliz por tu pensar em mim, não importa o jeito.

Mas indiferença, não, por favor, não me venha com ela. Não quero e não posso e não suportaria virar apenas um rosto largado em fotos esquecidas pelas gavetas. Só um nome largado em meio a tua agenda telefônica, um número desconhecido no celular. Me recuso virar apenas mais uma lembrança vaga, hermética, uma daquelas que não causam nenhuma emoção quando relembradas.

O afeto não é mais possível, e eu tenho uma boa parcela de culpa nisso. Então simplesmente me ache um imbecil, um cretino, um filho-da-puta. Ache de mim o que quiser, mas ache alguma coisa. Lembre meu nome e repita ele dezenas de vezes, com muito ódio na fala, rancor nos olhos. Pare e pense em mim, lembre de tudo e deseje que eu morra. Porque se tu não desejar isso, ou qualquer outra coisa, se eu for um enorme vazio, aí sim, vou morrer de verdade.

21 de novembro de 2009

Chuva, Som e Alguma Fúria

Essa cidade, com esse clima, essa chuva rala que cai por alguns minutos, para, recomeça, tudo isso só serve pra colocar os homens mais pra baixo, contornar o que já é escuro. A chuva de gotas pequenas, só serve pra umedecer as calçadas e os pensamentos. As nuvens pesadas, só servem pra enegrecer o céu e os humores. E eu aqui parado na porta aberta, vendo a água cair, me molhando um pouco, me deprimindo um muito.

Paro diante a janela e aproveito que ela está embaçada, desenho algumas formas onde só eu vejo sentido. Riscos, formas abstratas, formas furiosas, corações despedaçados, eu sempre gostei de desenhar corações, não sei porque. Um clima desses sempre me põe pra baixo, eu sempre me sinto um merda, reflito sobre os piores lados da minha vida. Olho pra trás e me vejo errando em muita coisa. Eu fudi com tudo. E por covardia, durante a minha vida toda eu nunca agi, eu apenas reajo. As coisas simplesmente acontecem e só aí eu decido o que fazer. Eu não tenho iniciativa, me falta algo pra poder meter o pé na porta, bater no peito, gritar pro mundo o que eu quero, do jeito que quero.

Nos últimos tempos eu joguei coisas foras justamente por isso. Perdi muito por deixar o tempo passar. Não vivi, eu apenas me arrastei pelos dias. Perdi muito por covardia, infantilidade, agora eu vejo isso claramente. E o mais melancólico é tudo isso se foi, não há maneira de voltar atrás. Inês é morta, e acho que um pedaço de mim também. Se ao menos pudesse esquecer a cor daqueles olhos... O pior são as coincidências, elas parecem conspirar contra mim. Eu resolvo olhar bem na hora em que acontecem coisas que eu não gostaria de ver. Entro em lugar no exato momento em que deveria me afastar ao máximo. Tudo que eu poderia querer agora era um ônibus pra me levar pra longe disso tudo, me separar desse amontoado de recordações agridoces (em parte amargas muito maiores que as doces), me dar uma nova chance. Uma chance, a primeira em muito tempo que eu não deixaria passar.

Ligo o som do quarto, deixo a música tocar no volume mais alto possível. Violões e letras depressivas, sempre. Deito na cama, olho pro infinito. Eu devia me entreter com algo, mas só consigo pensar e isso piora a minha situação. Toda essa carga de melancolia, o desgaste emocional que vira desgaste físico, é muito forte. Deve ser a maldita chuva fraca, e a noite escura também ajuda nisso. Por isso eu abro meus livros de poesia, passo os olhos por tudo e me detenho em Drummond: "Eu não devia te dizer mas essa lua mas esse conhaque botam a gente comovido como o diabo". Não que isso seja uma grande melhora, mas saber que não sou sozinho em minha melancolia ajuda a seguir em frente.Um homem não consegue nada só.

Mas a chuva não cansa de recomeçar...

17 de novembro de 2009

Para Com Teu Choro

Seca essas lágrimas. Limpa o sal desse teu rosto lindo, esquece do que te machuca porque eu vou te levar pra longe disso tudo, de todas essas confusões. Todas essas dúvidas são difíceis, eu sei, mas não consigo te ver sofrer sem deixar de morrer um pouco.

Esquece essa dor, eu vou te pegar pela mão e te levar para ver umas montanhas bem altas, com cumes cheios de neve que parecem rasgar os céus e se misturar com as nuvens. Vou te sentar na grama enquanto a gente vê o céu mudar de cor e o Sol se esconder mansamente por de trás da água, deixando um caminho alaranjado dividindo a paisagem. Vamos abrir novos caminhos e encontrar flores e poemas que nenhum homem jamais sonhou existirem.

Então te acalma, não fica nervosa e nem ao menos com medo. Eu vou te envolver num abraço sem fim, te apertar forte em meus braços só pra sentir o calor do teu corpo e secar o choro insiste em escapar pelo canto dos teus olhos. Afastar os cabelos do teu rosto, aproximar ele do meu. Não se preocupa, pois eu sempre estive e sempre estarei aqui, mesmo que tu não note...

11 de novembro de 2009

Sobre As Areias

  Ooh, the years burn...      


            Camilo acordou cedo como fazia todos os dias. Levantava-se antes do Sol nascer, sentava-se a mesa de pedra de sua cabana e comia algum pedaço do pão que pudesse ali encontrar. Possuía uma rotina mecânica e inquebrável, carregando costumes que aprendeu quando criança e que mesmo a velhice avançada não conseguiu afastar. Sua mãe lhe ensinara a dormir e acordar cedo. Seu pai lhe ensinara a aceitar a vida simples sem grandes pretensões ou reclamações. Apenas baixar a cabeça e seguir em frente.
            Após o quase café da manhã, ia até a frente da cabana sentar-se em uma cadeira de balanço tão velha quanto a cabana. Cabana esta que ajudou a construir a muito tempo atrás, um tempo incontável, assentando tijolos e batendo a terra do chão. Cabana que era seu único bem. Sempre acreditou que o homem só era dono daquilo que tivesse feito com as próprias mãos. Era um sujeito simples desde sempre, que se contentava com pequenos prazeres nos quais as outras pessoas não viam a menor graça.
            Balançando em sua velha cadeira companheira, Camilo olhava para o deserto que cobria a paisagem até onde a vista podia chegar. Não, na verdade apenas os olhos apontavam para as areias, mas ele enxergava a velha cidade da sua memória. Sua mente voltava até décadas atrás e reconstruía as casas e vielas agora engolidas pelas dunas e pelo tempo. A cada dia a areia entrava cada vez mais na sua cabana. A parede norte já estava coberta, cair era uma questão de tempo e azar.
Mas ele não ligava. Camilo não ligava para nada que acontecesse no presente. Ele olhava em volta e via as crianças correndo e rindo e gritando e inventado novas brincadeiras cujas regras ninguém nunca iria compreender. Via uma de suas namoradas de juventude lhe sorrindo da janela, os longos cabelos claros refletindo o sol da manhã e aquele sorriso que ele desaprendeu a amar. Pessoas sentadas em pequenos bancos de praças conversando animadamente sobre assuntos que não dominavam. Um sol preguiçoso e recém-nascido que convida as velhas senhoras a saírem para a rua, deixando suas cabanas quentes devido aos tijolos não pintados.
Apenas fantasmas de uma época incrivelmente distante onde a pequena cidade ainda estava de pé, e não afundada em lixo e areia. Todas aquelas pessoas foram lentamente morrendo ou indo em direção a cidades grandes, indo em direção ao progresso, caminhando até o futuro. Mas não importava para Camilo, ele escolheu esquecer isso e se refugiar na aurora da vida, quando ainda era jovem e podia correr só pra sentir o vento batendo no rosto, viver sem medo.
Agora ele se via, caminhando pela rua principal, cumprimentando os novos e os velhos amigos, brincando com as crianças, fazendo pose para as meninas, tomando a cerveja que lhe ofereciam. O Camilo de hoje sorria para o Camilo de ontem, que retribuía a gentileza e o olhava fundo nos olhos. E o velho Camilo tão afundando em suas próprias lembranças, enxergava tudo com os olhos de antigamente, até mesmo a figura fúnebre da morte que acabara de parar ao seu lado. Ele a viu como sua mãe afável e doce, que o mandava entrar em casa, deitar na cama e finalmente dormir...

13 de setembro de 2009

Onde Nascem as Rosas Selvagens

Amor, hoje eu descobri onde nascem as rosas selvagens. Era uma dúvida que eu tinha a algum tempo. Não uma daquelas dúvidas urgentes, que precisam muito serem respondidas. Desde que tu me deu aquelas flores, naquele parque, naquele dia, eu penso nisso. Os últimos dias têm sido muito felizes, e eu acho que tudo isso é sua culpa querida. Os últimos dias têm tido um brilho diferente, e eu me acho muito ingênuo por pensar assim. A cerveja quente que eu tomo tem um gosto diferente. A música de discos riscados que eu ouço tem um som diferente. É tudo uma idiotice, não sou um cara tão sonhador assim. É tudo uma idiotice, mas não consigo pensar de outro modo. Ontem nós andamos de mãos dadas, e se eu pudesse, não largaria dos teus dedos nunca. Quero te contar as mais lindas mentiras, já que é impossível viver só de verdades. Mentiras que façam as coisas parecem maiores e melhores do que são. Quero te abraçar com braços fortes, que te prendam e te esquentem nessas noites molhadas de Setembro. Quero te beijar com uma trilha sonora ao fundo, uma orquestra em nossa homenagem. Quero muitas coisas, mas tenho certeza de poucas.

Amor, hoje eu descobri onde nascem as rosas selvagens. Foi quando acordei. Abri os olhos e do meu peito brotava um buquê de rosas vermelhas, de espinhos grossos. Mas os espinhos não machucavam, nem as rosas me causavam estranheza. O peito transformado em jardim me parecia algo norma. Amor, hoje eu descobri onde nascem as rosas selvagens. Elas nascem de dentro dos apaixonados.

3 de setembro de 2009

I'm The Man Who Loves You


'If I could you know I would
Just hold your hand and you'd understand
I'm the man who loves you'

Wilco – I’m The Man Who Loves You


Bom, eu não saberia dizer com certeza o que eu estou tentando te falar. Eu falaria de um jeito tímido, olhando para os meus sapatos, tremendo a voz, com o coração querendo abrir o peito, querendo pular longe. Até que não é algo lá muito complicado, seriam poucas palavras. Mas eu não sei me explicar com pouco argumento, nunca soube. Eu penso em te dizer isso toda vez que eu passo por uma praça. Toda vez que eu olho pela janela e está ventando. Toda vez que eu me deito numa noite fria. Não faz muito sentido, mas nessas horas eu fico fazendo monólogos, e acho todos eles perfeitos. Mas acabo nunca sabendo o que te falar. Tu me desarma. Tudo que eu sempre achei de mim mesmo, muda quando sinto teus olhos em cima de mim. Toda minha autoconfiança, meu senso de humor cínico, meu ar blasé. Tudo que eu faço questão de ser, acaba não fazendo a menor diferença se eu te vejo sorrir. Eu seria outra pessoa só pra ver o teu sorriso. Talvez seja muito dramático, mas sempre fui assim, exagerado. Eu me perco quando estou contigo. As ruas que eu conheço, viram locais totalmente diferentes, levando a locais que eu não sabia que existiam. Tu me faz perder a concentração. Eu caminho contigo, sem direção e sem falar nada, tomando muito cuidado pra não parar de respirar. Eu forraria as paredes do meu quarto com pôsteres teus, com fotos tuas. Se isso é obsessivo, foda-se. Já tentei falar isso centenas de vezes, mas a voz trancava, arranhando a garganta, e eu falava qualquer banalidade, qualquer idiotice. E tu ria, não sei se por causa do que eu falei, ou se por causa da minha cara de idiota. Não posso evitar de parecer um retardado quando eu te encaro. Eu nunca sei o que tu sente mesmo. Não faço idéia do que se passa atrás desse teu rosto lindo. Me encho de dúvidas, o meu chão vira ar. O que não importa, pois tu acaba sempre me olhando de um jeito meigo, com pequenas rugas da testa, que me fazem perder a linha de raciocínio. E mesmo não sabendo como falar, eu quero falar. Por isso eu estou parado aqui agora. Na chuva, de noite, na frente do teu prédio. Eu quero gritar teu nome, te ver saindo no portão, pra segurar a tua mão, encher os pulmões de ar e dizer, com uma voz grave: Eu sou o cara que te ama.

1 de setembro de 2009

Eu Nunca Quis Sangrar Teu Coração

Os tênis entravam fundo na grama alta. Os sons de crianças brincando ao longe se misturavam com o vento que batia as folhas das árvores. Pensava que não seria feliz nunca. Sempre que as coisas se acertavam, sempre que tudo ia bem, ele dava um jeito de acabar com tudo. Devia ter algum mecanismo de auto-sabotagem, e isso lhe incomodava profundamente.
O pior é que se magoava e magoava aos outros, sem saber porque. Simplesmente fazia. Era assim desde sempre, e talvez fosse assim pra sempre. Às vezes, fazia esse tipo de coisa sem perceber, sem notar. Mas quando notava, vivia algumas noites péssimas, deitado num quarto escuro, gastando cds do Radiohead e do Joy Division. Noites de depressão, enfim.
Era um domingo meio cinzento, cheio de nuvens com formas abstratas, daquelas que os namorados se divertem tentando adivinhar o que significam. O parque estava cheio. Eram férias de inverno. De inferno, pra ele. Tinha feito tudo errado de novo. Suas fundas olheiras roxas denunciavam isso. Provavelmente tinha machucado muito ela. Se sentia um merda. Se sentia uma bomba-relógio. Agora andava, para ver se a vontade de chorar ia embora.
Ele era um cara emotivo. Apaixonado por tudo. Principalmente por ela. Mas não sabia lidar com isso, não sabia lidar com seus sentimentos. As coisas rodavam, nas suas mãos viravam facas, rasgando a todos que ele amava. O que sentia de bom acabava virando arma. Por isso andava sem rumo. Sentindo o vento gelado bater no rosto e invejando a felicidade alheia. É, o parque não tinha sido um bom lugar para pensar. Os casais sentados (todos perfeitamente felizes) nos bancos de pedra, lhe intimidavam. Pareciam gritar, perguntar porque ele não podia ser assim, igual a eles.
Achou que devia ir para algum lugar mais calmo. O que sentia era tão forte que ficava quase físico, deixando um gosto amargo na boca. Será que ia deixar de ser assim um dia? Será que quando “crescesse” ia aprender a viver sem machucar ninguém? Pensava que nunca ia ser o que se esperava dele. Pra piorar, a faculdade vinha como um fantasma. Outra assombração era a imagem dela. Ela que chorou na noite anterior (e por toda a noite), quando ele não soube explicar o porque queria terminar o namoro. Mas isso, nem ele sabia. Não conhecia os motivos. Amava ela mais que tudo. Poderia se jogar na frente de um trem, de cima de um penhasco, se ela assim quisesse. Podia mesmo, mas achava que não dava mais pra viver ao seu lado.
Chegou ao laguinho do parque. Estava vazio. Todo mundo resolveu ficar no sol, e o lago era uma parte bastante sombreada e afastada do parque. Haviam grandes e antigas árvores por ali, com corações e nomes de amantes riscados em seus troncos. Algumas dessas árvores (e inscrições) eram mais velhas do que ele. Ele que achou que devia se desculpar com ela. Amarrar as pontas soltas. Não queria seu ódio. Ou ainda pior: sua indiferença. Se ela começasse a ignora-lo, ignorar suas mensagens, ignorar seus recados, ignorar sua presença. Se ela o ignorasse, ele ia morrer um pouco mais por dentro. Talvez literalmente. Como se pudesse ficar ainda pior...
Com a presença dela na sua cabeça sempre, tirou os tênis vermelhos, as meias rasgadas. Colocou-os com cuidado ao seu lado. Dobrou a barra dos jeans até acima das canelas. Mergulhou os pés na água fria, e um tanto quanto suja. Mergulhou os pés na água e sentiu a vontade chorar se afastar um pouco. E isso era o mais perto que ele poderia chegar de um sorriso naquele dia.

29 de agosto de 2009

Noite Para Relembrar

Ele nunca tinha se sentido tão só no mundo. Nunca. Nos quartos ao lado, seus pais dormiam, seus irmãos dormiam. E ele ficava acordado. Esperou a madrugada fechar, para poder terminar seu serviço. Do lado de fora da janela, vento. Um vento que gritava quando batia nas árvores velhas, desfolhadas. Do lado de dentro do garoto, confusão. Uma confusão que gritava, pedia pra sair, implorava. "Preciso me apressar", pensou.
Tirou a mala de cima do armário. Mala velha, puída, quase nunca usada. Abriu-a, passou um pano, tirou o pó. Preparou-a para abrigar suas poucas mudas de roupas. Duas calças. Cinco, seis camisetas. Cuecas. Meias. Alguns objetos (inúteis praticamente, vitais sentimentalmente). Sem perceber isso, como se fosse algo extremamente natural para aquele momento (e era), o garoto começou a chorar. Não um daqueles choros convulsivos, de gerar soluços e tosses, de lavar o rosto. Não, esse garoto não era disso. As lágrimas escorriam lentamente, uma por uma, em finas tiras, que se espalhavam verticalmente pelo rosto esguio e branco. Ele não notou que chorava nem quando pingos caíram por sobre suas roupas. Não notou, ou não quis notar (e isso é uma grande diferença).
Andou calmo, lento e concentrado, para fora do quarto. Quatro passos para a esquerda no corredor. Abre a porta. Entra no escritório. Procura dentro da quinta gaveta da estante que fica a direita da porta. Acha o álbum de fotos. E se nesse momento, ele chorasse de um jeito desesperado, soltando alguns sons guturais, qualquer pessoa conseguiria entender. Escolheu algumas fotos – não muitas, ele achou que a família também tinha direito a suas lembranças impressas – e pela primeira vez em meses, desde que teve aquela idéia, vacilou. Pensou, em poucos segundos, que tinha que largar essas fotos de volta no álbum, jogar as roupas da mala de volta pro armário, ir de volta pra cama. De volta pra vida de sempre. Mas foi um daqueles pensamentos vagos, que acontecem em alta velocidade. E que se dissipam mais rápido ainda. Estava decidido, era guardar as fotos na mala (em algum bolso mais escondido, nunca as arriscaria) e abrir a porta daquela casa pela última vez em anos. Pela última vez em sempre, quem sabe.
Não que não gostasse da família, longe disso. Mas sentia que jogava no lixo cada segundo da sua vida, vivendo daquele jeito. Acordando por acordar, ouvindo sempre as mesmas coisas sobre seu quarto, seu cabelo, suas notas. Não tendo nenhum motivo pra seguir em frente, só sobrevivendo ao passar dos dias, tinha tomado aquela decisão. Provavelmente não era algo do qual ele iria se orgulhar. Nem algo que as pessoas fossem entender. Mas no fim, não é sempre assim? Fazemos coisas que não gostamos, que podem (e provavelmente vão) ferir os outros, só porque alguma coisa diz que temos que fazer. Ele não sabia disso, só sabia que tinha que fazer logo. Já tinha deixado 17 anos escorrerem, não ia perdoar mais nenhum dia. Não tendo amigos fiéis, nem namorada, nem alguém com que ele se importasse, nada podia servir de freio. Só a família, talvez.
Quatro passos à direita no corredor. De volta ao quarto. Guardou as fotos, se olhou no espelho. Olheiras fundas, de um roxo mórbido. Não dormia direito desde que tinha planejado isso. Suspirou um suspirou fundo, quase um uivo, daqueles de filmes de faroeste, na cena que o mocinho, de poncho, dorme no deserto. Então, caminhou pra fora do quarto, seu deserto. Ganhou o corredor, ganhou a sala, de contornos muito estranhos na escuridão da noite. E quando a mão desceu de encontro a maçaneta, ele voltou. Não que tivesse desistido. Só tinha sentido uma vontade de olhar a família de novo. Voltou lentamente, voltou a chorar. Entrou nos quartos, e foi muito corajoso em seguir em frente depois disso. Beijou a testa da mãe. Sentiu o peito se rasgar.
Na sala, de novo. Na frente da porta. Porta aberta. Um sentimento muito estranho, algo novo, começou a correr nas veias. Aqueles segundos que ele levou pra descer as escadas foram os momentos mais ansiosos da sua existência. Cada pé que pisava fora dos degraus parecia levar séculos pra achar o próximo. Conseguiu chegar na calçada, a custo de alguns batimentos cardíacos histéricos. Já não chorava. Pelo menos não fisicamente.
Tirou o maço do bolso do jeans. Nunca tinha fumado antes, mas essa era um noite de revolução. Filtro na boca. Isqueiro na mão. Agora ele ia ser diferente, era o que queria. Caminhou em direção a esquina, sem olhar para trás. Se olhasse, provavelmente desistiria. Voltaria correndo pra dentro do apartamento que o abrigou por quase 11 anos. Preferia não arriscar, não olhar pro prédio de grades azuis, com sacadas na frente, pracinha ao lado. Caminhou em direção a esquina, ao ponto de táxi. Um único carro parado ali, motorista acordado (e provavelmente entediado), tomando um café e lendo alguma revista não identificável. Pornográfica, provavelmente.
-Pra onde vai guri? O garoto coça o queixo, quer parecer mais velho, quer parecer menos inseguro. -Ah, me leva na rodoviária... -Mas a essa hora?! Que ônibus tu quer pegar, guri? O garoto pensou que se fosse chamado de guri de novo, explodiria. –Nenhum em específico, a primeira coisa que aparecer. Não sabia porque tinha sido sincero. Era só um taxista, não interessava pra ele. –Sei... Também já pensei em fugir de casa. Mas bom, não tenho a ver com a tua vida, cada um na sua. Entra aí que eu faço o meu serviço.
O motor ligou, cortando o silêncio da rua escura e vazia. Era um dia quente de novembro, mas também era tarde demais pra qualquer atividade noturna naquela rua pacata, longe do centro. Qualquer atividade exceto uma fuga de casa. O garoto então, encostou a cabeça no vidro, vendo a paisagem ficar preguiçosamente, enquanto ele avançava. Pensou que a sua vida começava de verdade ali, dentro do táxi que cheirava a desodorizante, daqueles em formato de pinheiro, pendurados no retrovisor.. Que agora ele que tomava as próprias decisões. Tinha apenas uma vaga idéia de pra onde estava indo, e isso lhe agradava. Mas não sabia, que um dia no futuro, ele ia agradecer por falar português e poder pensar em "saudades" ... Com a cabeça encostada no vidro, o garoto fez forçar pra não chorar.