11 de novembro de 2009

Sobre As Areias

  Ooh, the years burn...      


            Camilo acordou cedo como fazia todos os dias. Levantava-se antes do Sol nascer, sentava-se a mesa de pedra de sua cabana e comia algum pedaço do pão que pudesse ali encontrar. Possuía uma rotina mecânica e inquebrável, carregando costumes que aprendeu quando criança e que mesmo a velhice avançada não conseguiu afastar. Sua mãe lhe ensinara a dormir e acordar cedo. Seu pai lhe ensinara a aceitar a vida simples sem grandes pretensões ou reclamações. Apenas baixar a cabeça e seguir em frente.
            Após o quase café da manhã, ia até a frente da cabana sentar-se em uma cadeira de balanço tão velha quanto a cabana. Cabana esta que ajudou a construir a muito tempo atrás, um tempo incontável, assentando tijolos e batendo a terra do chão. Cabana que era seu único bem. Sempre acreditou que o homem só era dono daquilo que tivesse feito com as próprias mãos. Era um sujeito simples desde sempre, que se contentava com pequenos prazeres nos quais as outras pessoas não viam a menor graça.
            Balançando em sua velha cadeira companheira, Camilo olhava para o deserto que cobria a paisagem até onde a vista podia chegar. Não, na verdade apenas os olhos apontavam para as areias, mas ele enxergava a velha cidade da sua memória. Sua mente voltava até décadas atrás e reconstruía as casas e vielas agora engolidas pelas dunas e pelo tempo. A cada dia a areia entrava cada vez mais na sua cabana. A parede norte já estava coberta, cair era uma questão de tempo e azar.
Mas ele não ligava. Camilo não ligava para nada que acontecesse no presente. Ele olhava em volta e via as crianças correndo e rindo e gritando e inventado novas brincadeiras cujas regras ninguém nunca iria compreender. Via uma de suas namoradas de juventude lhe sorrindo da janela, os longos cabelos claros refletindo o sol da manhã e aquele sorriso que ele desaprendeu a amar. Pessoas sentadas em pequenos bancos de praças conversando animadamente sobre assuntos que não dominavam. Um sol preguiçoso e recém-nascido que convida as velhas senhoras a saírem para a rua, deixando suas cabanas quentes devido aos tijolos não pintados.
Apenas fantasmas de uma época incrivelmente distante onde a pequena cidade ainda estava de pé, e não afundada em lixo e areia. Todas aquelas pessoas foram lentamente morrendo ou indo em direção a cidades grandes, indo em direção ao progresso, caminhando até o futuro. Mas não importava para Camilo, ele escolheu esquecer isso e se refugiar na aurora da vida, quando ainda era jovem e podia correr só pra sentir o vento batendo no rosto, viver sem medo.
Agora ele se via, caminhando pela rua principal, cumprimentando os novos e os velhos amigos, brincando com as crianças, fazendo pose para as meninas, tomando a cerveja que lhe ofereciam. O Camilo de hoje sorria para o Camilo de ontem, que retribuía a gentileza e o olhava fundo nos olhos. E o velho Camilo tão afundando em suas próprias lembranças, enxergava tudo com os olhos de antigamente, até mesmo a figura fúnebre da morte que acabara de parar ao seu lado. Ele a viu como sua mãe afável e doce, que o mandava entrar em casa, deitar na cama e finalmente dormir...

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