28 de novembro de 2009

Sem Poder Voltar Atrás



And you can never quarantine the past...

       O pior momento foi quando percebeu que era tarde demais para voltar atrás, que o tempo tinha passado de forma implacável e imperdoável, destruindo caminhos que ainda pudessem estar abertos, impossibilitando qualquer chance de redenção. E ele notou isso, de forma dolorosa, quando viu que havia deixado pelo caminho as coisas que tinha feito, a pessoa que tinha sido, e principalmente, a pessoa por quem tinha vivido. Quis juntar as memórias em pequenas caixas e abandoná-las num canto do quarto, mas aprendeu que isso tudo é pessoal demais pra ser suprimido tão facilmente, aprendeu que as lembranças podem ser esquecidas por um tempo, mas voltam como fantasmas incansáveis.
       Ele tentou apagar todos os vestígios que ela um dia deixou em sua vida. Criou um mundo todo falso, uma realidade diferente onde os dois nunca tinham se conhecido, e assim sendo, nunca feriram os sentimentos uns dos outros. Mas foi apenas uma armadilha para si próprio. Foi pior quando as memórias voltaram. Viu que ambos viraram pessoas diferentes, que haviam passado por grandes mudanças, interiores e exteriores, e estavam mais separados do que nunca. E só aí percebeu que, no fundo, nunca quis isso, e o arrependimento começou a se infiltrar em todos seus pensamentos, envenenando a calma, confundindo tudo.
       E para apagar a dor, bebeu. Bebeu de tudo, em todas as horas. Caiu em bares imundos, dormiu no chão cheirando a álcool. Tentou viver de tudo, para ocupar a cabeça. E foi atrás de outras, noite após noite, buscando gurias que se parecessem com aquela que lhe martelava a memória. E as conseguiu, teve muitas delas, mais do que já havia tido até aquele momento. Mas o vazio continuava ali, os braços delas não tinham o mesmo aconchego, o calor delas era diferente, ele não se sentia como deveria. Algumas ele chegou a chamar pelo nome da outra, como se tivesse voltado no tempo. Às vezes elas não percebiam. Às vezes ele levava tapas, mas nem os sentia.
       E seguiu assim, pulando de erro em erro, até um dia que acabou se mostrando diferente daquela rotina de desilusão. Ele saiu de casa, foi a festas como sempre, bebeu como sempre, saiu à procura de conforto feminino como sempre. E encontrou ela. Não ‘‘ela’’, mas sim outra guria. Uma que o atraiu de uma forma diferente, que não sentia a tempos. Puxou conversa, se sentiu levado por alguma força a muito desconhecida. E no final da noite, ainda acompanhado pela guria, olhou no fundo dos olhos dela. Azuis e profundos, passavam uma idéia de desamparo, uma certa tristeza. Olhou nos olhos dela e percebeu que se sentia bem pela primeira vez em meses, se sentia completo. E não sentia a menor vontade de chamá-la pelo nome de qualquer outra pessoa.
       E então, ele finalmente sorriu.

27 de novembro de 2009

Me Odeie Tanto Quanto Possível


Eu lembro cada beijo que eu te dei!

Me odeie. Me odeie como nunca odiou alguém, se esforce pra isso. Me imagine como a pior das criaturas, algo que tu não suporte. Eu quero que tu acorde todos os dias fazendo planos pra destruir a minha vida. Que olhe pra mim e sinta tanta raiva quanto for possível. E eu peço isso porque não agüentaria a indiferença. Se não existe mais amor entre nós, por favor tenha algum sentimento em relação a mim. Se o único possível for ódio, serei feliz por tu pensar em mim, não importa o jeito.

Mas indiferença, não, por favor, não me venha com ela. Não quero e não posso e não suportaria virar apenas um rosto largado em fotos esquecidas pelas gavetas. Só um nome largado em meio a tua agenda telefônica, um número desconhecido no celular. Me recuso virar apenas mais uma lembrança vaga, hermética, uma daquelas que não causam nenhuma emoção quando relembradas.

O afeto não é mais possível, e eu tenho uma boa parcela de culpa nisso. Então simplesmente me ache um imbecil, um cretino, um filho-da-puta. Ache de mim o que quiser, mas ache alguma coisa. Lembre meu nome e repita ele dezenas de vezes, com muito ódio na fala, rancor nos olhos. Pare e pense em mim, lembre de tudo e deseje que eu morra. Porque se tu não desejar isso, ou qualquer outra coisa, se eu for um enorme vazio, aí sim, vou morrer de verdade.

21 de novembro de 2009

Chuva, Som e Alguma Fúria

Essa cidade, com esse clima, essa chuva rala que cai por alguns minutos, para, recomeça, tudo isso só serve pra colocar os homens mais pra baixo, contornar o que já é escuro. A chuva de gotas pequenas, só serve pra umedecer as calçadas e os pensamentos. As nuvens pesadas, só servem pra enegrecer o céu e os humores. E eu aqui parado na porta aberta, vendo a água cair, me molhando um pouco, me deprimindo um muito.

Paro diante a janela e aproveito que ela está embaçada, desenho algumas formas onde só eu vejo sentido. Riscos, formas abstratas, formas furiosas, corações despedaçados, eu sempre gostei de desenhar corações, não sei porque. Um clima desses sempre me põe pra baixo, eu sempre me sinto um merda, reflito sobre os piores lados da minha vida. Olho pra trás e me vejo errando em muita coisa. Eu fudi com tudo. E por covardia, durante a minha vida toda eu nunca agi, eu apenas reajo. As coisas simplesmente acontecem e só aí eu decido o que fazer. Eu não tenho iniciativa, me falta algo pra poder meter o pé na porta, bater no peito, gritar pro mundo o que eu quero, do jeito que quero.

Nos últimos tempos eu joguei coisas foras justamente por isso. Perdi muito por deixar o tempo passar. Não vivi, eu apenas me arrastei pelos dias. Perdi muito por covardia, infantilidade, agora eu vejo isso claramente. E o mais melancólico é tudo isso se foi, não há maneira de voltar atrás. Inês é morta, e acho que um pedaço de mim também. Se ao menos pudesse esquecer a cor daqueles olhos... O pior são as coincidências, elas parecem conspirar contra mim. Eu resolvo olhar bem na hora em que acontecem coisas que eu não gostaria de ver. Entro em lugar no exato momento em que deveria me afastar ao máximo. Tudo que eu poderia querer agora era um ônibus pra me levar pra longe disso tudo, me separar desse amontoado de recordações agridoces (em parte amargas muito maiores que as doces), me dar uma nova chance. Uma chance, a primeira em muito tempo que eu não deixaria passar.

Ligo o som do quarto, deixo a música tocar no volume mais alto possível. Violões e letras depressivas, sempre. Deito na cama, olho pro infinito. Eu devia me entreter com algo, mas só consigo pensar e isso piora a minha situação. Toda essa carga de melancolia, o desgaste emocional que vira desgaste físico, é muito forte. Deve ser a maldita chuva fraca, e a noite escura também ajuda nisso. Por isso eu abro meus livros de poesia, passo os olhos por tudo e me detenho em Drummond: "Eu não devia te dizer mas essa lua mas esse conhaque botam a gente comovido como o diabo". Não que isso seja uma grande melhora, mas saber que não sou sozinho em minha melancolia ajuda a seguir em frente.Um homem não consegue nada só.

Mas a chuva não cansa de recomeçar...

17 de novembro de 2009

Para Com Teu Choro

Seca essas lágrimas. Limpa o sal desse teu rosto lindo, esquece do que te machuca porque eu vou te levar pra longe disso tudo, de todas essas confusões. Todas essas dúvidas são difíceis, eu sei, mas não consigo te ver sofrer sem deixar de morrer um pouco.

Esquece essa dor, eu vou te pegar pela mão e te levar para ver umas montanhas bem altas, com cumes cheios de neve que parecem rasgar os céus e se misturar com as nuvens. Vou te sentar na grama enquanto a gente vê o céu mudar de cor e o Sol se esconder mansamente por de trás da água, deixando um caminho alaranjado dividindo a paisagem. Vamos abrir novos caminhos e encontrar flores e poemas que nenhum homem jamais sonhou existirem.

Então te acalma, não fica nervosa e nem ao menos com medo. Eu vou te envolver num abraço sem fim, te apertar forte em meus braços só pra sentir o calor do teu corpo e secar o choro insiste em escapar pelo canto dos teus olhos. Afastar os cabelos do teu rosto, aproximar ele do meu. Não se preocupa, pois eu sempre estive e sempre estarei aqui, mesmo que tu não note...

11 de novembro de 2009

Sobre As Areias

  Ooh, the years burn...      


            Camilo acordou cedo como fazia todos os dias. Levantava-se antes do Sol nascer, sentava-se a mesa de pedra de sua cabana e comia algum pedaço do pão que pudesse ali encontrar. Possuía uma rotina mecânica e inquebrável, carregando costumes que aprendeu quando criança e que mesmo a velhice avançada não conseguiu afastar. Sua mãe lhe ensinara a dormir e acordar cedo. Seu pai lhe ensinara a aceitar a vida simples sem grandes pretensões ou reclamações. Apenas baixar a cabeça e seguir em frente.
            Após o quase café da manhã, ia até a frente da cabana sentar-se em uma cadeira de balanço tão velha quanto a cabana. Cabana esta que ajudou a construir a muito tempo atrás, um tempo incontável, assentando tijolos e batendo a terra do chão. Cabana que era seu único bem. Sempre acreditou que o homem só era dono daquilo que tivesse feito com as próprias mãos. Era um sujeito simples desde sempre, que se contentava com pequenos prazeres nos quais as outras pessoas não viam a menor graça.
            Balançando em sua velha cadeira companheira, Camilo olhava para o deserto que cobria a paisagem até onde a vista podia chegar. Não, na verdade apenas os olhos apontavam para as areias, mas ele enxergava a velha cidade da sua memória. Sua mente voltava até décadas atrás e reconstruía as casas e vielas agora engolidas pelas dunas e pelo tempo. A cada dia a areia entrava cada vez mais na sua cabana. A parede norte já estava coberta, cair era uma questão de tempo e azar.
Mas ele não ligava. Camilo não ligava para nada que acontecesse no presente. Ele olhava em volta e via as crianças correndo e rindo e gritando e inventado novas brincadeiras cujas regras ninguém nunca iria compreender. Via uma de suas namoradas de juventude lhe sorrindo da janela, os longos cabelos claros refletindo o sol da manhã e aquele sorriso que ele desaprendeu a amar. Pessoas sentadas em pequenos bancos de praças conversando animadamente sobre assuntos que não dominavam. Um sol preguiçoso e recém-nascido que convida as velhas senhoras a saírem para a rua, deixando suas cabanas quentes devido aos tijolos não pintados.
Apenas fantasmas de uma época incrivelmente distante onde a pequena cidade ainda estava de pé, e não afundada em lixo e areia. Todas aquelas pessoas foram lentamente morrendo ou indo em direção a cidades grandes, indo em direção ao progresso, caminhando até o futuro. Mas não importava para Camilo, ele escolheu esquecer isso e se refugiar na aurora da vida, quando ainda era jovem e podia correr só pra sentir o vento batendo no rosto, viver sem medo.
Agora ele se via, caminhando pela rua principal, cumprimentando os novos e os velhos amigos, brincando com as crianças, fazendo pose para as meninas, tomando a cerveja que lhe ofereciam. O Camilo de hoje sorria para o Camilo de ontem, que retribuía a gentileza e o olhava fundo nos olhos. E o velho Camilo tão afundando em suas próprias lembranças, enxergava tudo com os olhos de antigamente, até mesmo a figura fúnebre da morte que acabara de parar ao seu lado. Ele a viu como sua mãe afável e doce, que o mandava entrar em casa, deitar na cama e finalmente dormir...