14 de julho de 2010

Prelúdio

    Sento na beirada da cama e acendo um cigarro enquanto ela, deitada, olha para mim. Não posso ver, mas sei que seus olhos estão fixos em mim, como a me atravessar. Ela quer falar alguma coisa, mas eu adio esse momento ao máximo. Suo, apesar de estar frio, apesar da janela aberta que deixa a chuva entrar e encharcar minha camisa no chão. Enfim, a olho, mas não diretamente, ainda, começo a olhar suas pernas, as coxas grossas, fortes, o corpo magro e bem definido, a carne muito branca, as cicatrizes auto-infligidas e as naturais, o cabelo longo e despenteado, a boca carnuda, sempre convidativa, e finalmente os olhos. Os olhos mais tristes que um homem já viu. Olhos estreitos, de uma cor desbotada, como se o acúmulo de lágrimas os tivesse deformado, e mesmo assim possuíam um brilho em seu interior, algo de escondido, no fundo. Eu sempre tive medo de olhar nos seus olhos, sempre parece que ao fazer isso me dá vontade de chorar. E me dá essa vontade agora, de novo. Ela começa a falar, não presto muita atenção, eu sei que ela está só enrolando, preparando o terreno com alguma conversa inocente, esperando o momento certo para dizer o que realmente quer. Ouço sem escutar e, vez em quando, dou uma resposta vaga. A situação me enerva, preciso me mexer, caminhar, mas não o faço, não quero que ela sinta meu nervosismo. Vou até a penteadeira, mexo em alguns frascos, ocupo minhas mãos. Me vejo no espelho. Barba por fazer, cabelo no rosto, olheiras arroxeadas, a inércia. Ela me diz pra olhar em seus olhos. Lá vamos nós, grand finale tão aguardado. Embora me doa, a encaro.
    Ela diz que me ama, mas eu não consigo responder. Não é que não queira, mas simplesmente não posso.

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