No último momento desistiu de levar
malas ou qualquer coisa assim, não faria sentido mesmo. Então, com nada mais e
nada menos que a roupa do corpo e umas moedas tilintantes no bolso, entrou no
carro. Tudo ali fervia, estava estacionado há horas no sol. Girou a chave e
ouviu os engasgados roncos do motor. Não era um carro novo, mas nunca o tinha
deixado na mão. Passou a mão no câmbio, como quem faz um carinho, e tirou o
carro daquela ruazinha lateral onde o tinha deixado. Dali ele saiu lentamente,
para aproveitar a visão da pequena praça ao lado, seus balanços de longas
correntes, seu escorregador multicolorido, suas árvores grandes e caídas,
jogando sombra para cima das crianças que brincavam com areia, a deixando
escorrer, grosa, por entre os pequenos dedos, garimpeiros em busca de nada além
de um pouco de diversão. Aquilo lhe tocou, de alguma forma que não podia
calcular.
Dobrou uma esquina, pouco metros à
frente, e depois outra, mais adiante, já numa rua movimentada, entrou numa
grande avenida, com seus coqueiros imenso se erguendo dos canteiros rasgando o
céu da manhã, projetando suas folhas contra o azul esmaecido. O carro ia,
amassando as grossas folhas do coqueiros que estavam caídas na rua, fazendo um
som oco e alto. Passou pelas rótulas e viadutos, e em pouco tempo saiu da
cidade, e ganhou a estrada, aberta, como uma rota infinita, se desnudando a sua
frente. Colocou uma música, em volume alto, pra tocar, Bruce Springsteen, Born
To Run, achou que seria adequado, mas desligou o som logo. Não era momento pra
músicas mesmo. Preferia seguir apenas com os sons da sua cabeça, remoendo os
sentimentos mais uma vez. A estrada estava surpreendentemente vazia, apenas uma
ou outra carreta solitária, cortando o asfalto. E ele ia rápido, mas numa
velocidade mansa, calma, numa velocidade sem pressa. O vento entrava no carro
pelas janelas escancaradas e lhe baguçava todo o cabelo. Pisou mais no
acelerador, pra deixar o vento mais forte.
Uma hora depois, um pouco mais ou um
pouco menos, chegou na cidade. Dobrou uma porção de ruas e parou diante do
calçadão, diante da praia. Estacionou o carro ali mesmo e desceu, as pernas um
pouco adormecidas. Sentada no chão, estava uma garotinha, com seus cinco anos,
sentada ao lados dos quiosques fechados, e segurando uma grande balão vermelho.
Não parecia perdida, mas estava sozinha. Exatamente como ele. Era loira e tinha
imensos olhos castanhos, que o encaravam. Sorriu pra ela, e, ao passar perto
perto, disse "bonito balão".
Tirou os sapatos e as meias, os
deixou ali mesmo e desceu as escadas que levavam a areia. O lugar estava
deserto, era ele, o dono da praia, o senhor das terras abandonandas, livre para
fazer o que quisesse. Foi andando lentamente, parando às vezes para enfiar os
pés na areia morna. Parou diante do mar, sentindo na pele a maresia salgada e
de um cheiro enjoativo. Dobrou os jeans até um pouco depois dos joelhos e foi
entrando no mar, a espuma branca, gelada, envolvendo as pernas, o chamando pra
dentro de si, pra dentro de algo muito maior. E ali na água, seguiu caminhando,
foi indo.
No calçadão, a garotinha, que olhava
impassível, soltou o balão, que subiu aos céus, empurrado pelos ventos, foi até
nunca mais.