9 de novembro de 2010

Viagem À Lugar Algum



    No último momento desistiu de levar malas ou qualquer coisa assim, não faria sentido mesmo. Então, com nada mais e nada menos que a roupa do corpo e umas moedas tilintantes no bolso, entrou no carro. Tudo ali fervia, estava estacionado há horas no sol. Girou a chave e ouviu os engasgados roncos do motor. Não era um carro novo, mas nunca o tinha deixado na mão. Passou a mão no câmbio, como quem faz um carinho, e tirou o carro daquela ruazinha lateral onde o tinha deixado. Dali ele saiu lentamente, para aproveitar a visão da pequena praça ao lado, seus balanços de longas correntes, seu escorregador multicolorido, suas árvores grandes e caídas, jogando sombra para cima das crianças que brincavam com areia, a deixando escorrer, grosa, por entre os pequenos dedos, garimpeiros em busca de nada além de um pouco de diversão. Aquilo lhe tocou, de alguma forma que não podia calcular.
    Dobrou uma esquina, pouco metros à frente, e depois outra, mais adiante, já numa rua movimentada, entrou numa grande avenida, com seus coqueiros imenso se erguendo dos canteiros rasgando o céu da manhã, projetando suas folhas contra o azul esmaecido. O carro ia, amassando as grossas folhas do coqueiros que estavam caídas na rua, fazendo um som oco e alto. Passou pelas rótulas e viadutos, e em pouco tempo saiu da cidade, e ganhou a estrada, aberta, como uma rota infinita, se desnudando a sua frente. Colocou uma música, em volume alto, pra tocar, Bruce Springsteen, Born To Run, achou que seria adequado, mas desligou o som logo. Não era momento pra músicas mesmo. Preferia seguir apenas com os sons da sua cabeça, remoendo os sentimentos mais uma vez. A estrada estava surpreendentemente vazia, apenas uma ou outra carreta solitária, cortando o asfalto. E ele ia rápido, mas numa velocidade mansa, calma, numa velocidade sem pressa. O vento entrava no carro pelas janelas escancaradas e lhe baguçava todo o cabelo. Pisou mais no acelerador, pra deixar o vento mais forte.
    Uma hora depois, um pouco mais ou um pouco menos, chegou na cidade. Dobrou uma porção de ruas e parou diante do calçadão, diante da praia. Estacionou o carro ali mesmo e desceu, as pernas um pouco adormecidas. Sentada no chão, estava uma garotinha, com seus cinco anos, sentada ao lados dos quiosques fechados, e segurando uma grande balão vermelho. Não parecia perdida, mas estava sozinha. Exatamente como ele. Era loira e tinha imensos olhos castanhos, que o encaravam. Sorriu pra ela, e, ao passar perto perto, disse "bonito balão".
    Tirou os sapatos e as meias, os deixou ali mesmo e desceu as escadas que levavam a areia. O lugar estava deserto, era ele, o dono da praia, o senhor das terras abandonandas, livre para fazer o que quisesse. Foi andando lentamente, parando às vezes para enfiar os pés na areia morna. Parou diante do mar, sentindo na pele a maresia salgada e de um cheiro enjoativo. Dobrou os jeans até um pouco depois dos joelhos e foi entrando no mar, a espuma branca, gelada, envolvendo as pernas, o chamando pra dentro de si, pra dentro de algo muito maior. E ali na água, seguiu caminhando, foi indo.
    No calçadão, a garotinha, que olhava impassível, soltou o balão, que subiu aos céus, empurrado pelos ventos, foi até nunca mais.

11 comentários:

  1. Pára de ser lindo e me fazer engolir tuas palavras com esse gosto bom.

    Tá bom, não para não.

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  2. a imagem da garotinha me lembrou dessa imagem, e acho que a mensagem também sirva ao propósito.
    http://tinyurl.com/3yux7pb

    (só eu achei o ultimo pedaço do comentário acima um pouco pornográfico?)

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  3. não conhecia essa imagem, mas, bah, ilustra bem o conto.

    ahahaha, parem de enxergar pornografia onde não tem (tanta assim)

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  4. Tanta assim? Era pra ajudar? hahahahah
    Coitada de mim :(

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  5. Não sei se vi as mesmas coisas que você quando escreveu, mas ler o seu escrito me fez imaginar.
    Adoro essa descrição de imagens imaginárias simultâneas, com um desfecho abstrato. Me lembra Cecília.

    Mas eu entrei aqui pq gostei mesmo do nome, rs!
    ;]

    Parabéns!

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  6. Maravilhoso o texto, como sempre ! Gostei muito das descrições e cenas exploradas por ti =)
    beeijos

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  7. Eu tenho uma estranha fixação por balões. No meu mundo - fictício ou não - balões no ar significam felicidade, libertação, qualquer coisa assim. Muito bonito seu texto.

    Grata surpresa tu ter achado meu blog.
    Beijos (:

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  8. sorri lendo seu comentário no meu coraçãononsense!
    seu conto me lembrou lygia. acho que por causa do final sem-final. de qualquer modo, os três pontinhos sempre me encantaram.
    um beijo.

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  9. Gosto de textos com baloes, músicas conhecidas, sensaçoes descritas assim com sensibilidade e esse quê de "o que virá depois".. Essa tentativa errônea (que a minha mente sempre faz) de tentar imaginar, calcular o final. E, na verdade, a beleza está justamente aí, escondida nos detalhes e na ausência da limitaçao.

    Já que falaram da imagem (que eu também pensei), vou citar outra coisa: http://filmow.com/filme/8111/o-voo-do-balao-vermelho/


    É muito bonito aqui.
    Deixarei a porta aberta pra nao esquecer de voltar.

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