- Ah, eu quis te ligar pra dizer que gostei de ontem.
- ...
- Sabe, aquilo já faz tempinho e...
- Um ano e meio.
- É, faz tempo. E por isso, e por achar que já nos
perdoamos, podemos voltar ao normal.
- Normal?
- É, normal, tu sabe.
- Não sei mesmo.
- Ah, eu tava...
- Olha, a gente não tem nada faz mais de ano, o nosso normal
virou sermos apenas conhecidos. Desculpa falar assim, mas é verdade.
- ...
- Não me leva a mal mesmo, a gente já foi bem unido, era
tudo muito bonito e tudo mais. Mas era, foi, passou. Não vou te dizer que ontem
não foi bom, mas eu nem sei porque fizemos aquilo.
- Tu não acha que dá pra tentarmos de novo?
- Sinceramente, não.
- Mas porque?
- Porque a gente fez muita merda. A gente se magoou demais.
Eu agi errado contigo, tu agiu comigo. Foi horrível, até parece que tu não
lembra.
- ...
- Vai não age assim, tu sabe que eu to falando a verdade.
- É, pode ser, mas tu disse que tava tudo perdoado...
- Perdoado sim, esquecido nunca. Cortes cicatrizam, mas não
tem o costume de desaparecer. Tu é um dos caras mais legais que eu conheço, a
gente pode ser amigo. Certo?
- ...
- ...
- Acho que eu ainda te amo Clarissa.
- ...
O fone fica mudo.
E a música que enche o ambiente é triste e machuca e toca
tão alto quanto possível. Os violinos choram, e só não são tão miseráveis
quanto o homem que afunda na poltrona.
O homem que não chora, porque acha estar seco. Mas ele só
acha.
A chuva
entra e encharca todas essas fotos que eu espalhei em cima da cama. Montei esse
mosaico de momentos nossos achando que fosse ajudar, porque tu sabe, as pessoas
só fotografam as horas felizes, então juntei as nossas pra tentar afastar da
minha cabeça as horas tristes, as únicas que tem lugar na minha cabeça nos
últimos dias. Começou como uma dessas melancolias noturnas tão comuns (pelo
menos a mim), ouvindo algumas músicas tristes que não me deixem pensar que sou
o único fodido dessa terra. E deus, preciso parar com essa autocomiseração, não
ajuda em nada, mas ela vem e se instala, senta numa grande poltrona no meu
peito, fica o tempo que quer. O motivo de me relacionar contigo, te namorar, é
porque gosto de ti, porque em teoria tu me tornaria mais feliz e me daria tudo
aquilo que todos querem. Mas então porque eu sinto alguma coisa rasgar aqui
dentro? Porque eu sigo, deixo as coisas assim, se não me sinto nada bem, se
fico sozinho, pensando em todos os piores ângulos? Talvez seja porque eu sei
que se contigo eu sofro, sem ti o sofrimento viraria dor. E eu sou covarde.
Pensei em ti ligar, tentar ouvir alguma coisa que me acalme. Mas tenho medo que
tu fale algo que piore a situação, ou pior, que tu não diga nada além daquela
conversa padrão, e das declarações mecânicas e decoradas.
Preciso
fazer algo pra sair disso, mas fica pra outro dia. Deixo as fotos se desfazerem
na água. Hoje eu durmo no sofá.
Já fomos um só. Mas o tempo passou e agora voltamos a ser
dois, cada um com seu respectivo par.
Terminou
sem motivo, mas sem mágoa. Não brigamos, nós nunca brigamos, nós apenas vimos
que tudo que um fazia acabava magoando o outro, e que continuar quando já não é
mais possível sorrir é besteira, é errado.
Nós nos falamos, não como antes,
claro, e nem frequentemente, mas com certa regularidade. Ela continua sendo um
assunto que me interessa, por vezes sinto uma súbita vontade de ir até o
telefone, saber como foi seu dia, o que fez, que pessoas conheceu. Interesse
demais, talvez... Mas sabe, não existem segundas intenções, pelo menos não
conscientes, sou feliz com quem eu vivo agora.
Eu gosto de, quando não há nada
pra fazer (e isso é freqüente), lembrar de tudo que já foi, de coisas que já
fiz em momentos que nunca acontecerão novamente, imortalizados em sua
singularidade. Pequenos detalhes que na hora não me interessavam são os que
mais brilham nas lembranças, e presentes bobos que recebi me trazem a sensação
de que me foi dado o mundo. Não sinto falta, não lembro com melancolia, o tempo
veio e deixou as memórias meio herméticas. Eu lembro e dou um pequeno sorriso,
mas já não consigo me emocionar. Talvez só um pouco, muito pouco, lá no fundo.
Pouco... É uma palavra que tem
estado em minha cabeça. Num outro desses dias tediosos pensei e vi que não há
ninguém que passou por mim, viveu um dia na minha vida, que não tenha deixado
um pouco de si mesmo no ambiente. Alguns deixaram mais que outros, claro.
Alguns deixaram apenas o mínimo, quase não se nota. Outros deixaram tanto que
parece que sempre tive aquilo, como se fosse uma herança de séculos atrás. Acho
que ela foi uma dessas pessoas. Eu seria outra pessoa se não tivesse a
conhecido. Mas também seria outra se não tivesse terminado. Melhor, pior? Não
sei, mas tudo se ajeitou, e acho que gostei do resultado.
As coisas vão em frente, a gente
se distancia, se aproxima de novo, e cada segundo algo muda em relação ao
anterior, e saber disso ajuda a suportar as eventuais e comuns dores e dúvidas
que nunca deixam de aparecer. Porque, ao contrário do que a gente gosta de
espalhar em nossas poesias adolescentes, a vida é bonita.
Oi amor, o
que tu anda fazendo? Já fazem algumas semanas desde a última carta, eu fico
apreensivo... Onde tu foi não há telefone, internet, só nos restou o papel. Tu
foi pra longe, pra onde eu não posso te alcançar correndo, como fazia antes. A
vida aqui segue a mesma, exceto uma coisa, que junto das chuvas e das saudades,
é o motivo pelo qual te escrevo agora.
É possível
que tu não acredites. Eu mesmo não acreditaria se contassem, talvez nem mesmo
se me mostrassem, é muito além da minha compreensão. Na verdade, essa coisa
irreal, a tua ausência, essa primavera de flores grandes e coloridas, a saudade
da tua voz, tudo anda contribuindo para que eu me sinta num sonho, do qual
preciso desesperadamente acordar.
Essa coisa
começou faz pouco tempo, uns cinco dias, talvez mais. Não tenho certeza, ando
perdido. A primeira vez me assustou de maneira que cheguei a achar que estava
delirando. Mas logo depois aconteceu de novo. E de novo. E de novo. A
freqüência dos acontecimentos venceu meu ceticismo pela exaustão. Aprendi a
conviver com o absurdo, e agora toda a vez que uma delas vem, eu paro e ouço o
que tem a me dizer. Não acredito em suas palavras, mas acredito que estou
ouvindo-as.
Sinto
vontade de te perguntar se isso já lhe ocorreu. Não, provavelmente não.
Certamente não, mas sinto vontade de perguntar mesmo assim. Sinto falta de
saber coisas sobre a tua vida, mesmo as mais insignificantes. Acho que vou
perguntar a uma delas quando tu volta. Mas elas não devem saber, nem tu sabe...
Elas conhecem minhas dores e dúvidas e anseios e acho extremamente curioso me
envolver tanto com essas borboletas.
Elas
costumam vir no fim da tarde, quando estou sentado no quintal, perto do jardim.
Não é comum vir mais de uma por vez, mas isto já ocorreu. O normal (acho insano
usar a palavra “normal” quando falo sobre isso) é vir apenas uma delas, de cor
viva e quase fluorescente, voar em círculo perto da minha cabeça e acabar
pousando logo acima da minha orelha. Então ouço uma voz reverbando dentro do
meu ouvido, uma voz feminina, mas grave, que fala com um tom ao mesmo tempo
urgente e sábio. Cada borboleta possui uma voz diferente, embora elas se
assemelhem. Eu as deixo monologarem, sem interferir de qualquer modo. Me dão
conselhos. É freqüente me dizerem que tu já não me ama... Como falei, não
acredito em nada que dizem, mas não deixo de sentir o peito apertar. Não sei
porque, afinal são insetos, não há motivos pra me falarem essas coisas, embora
as falem diariamente.
Guria vem
logo que já não agüento acordar sem tem perspectivas de te ver. Diz-me, pro
favor, quando tu volta, até gosto de surpresas, mas quero preparar algo pra tua
chegada, e também acho que o sofrimento passa mais rápido (embora ainda
lentamente) se tem data certa para acabar. Ah, ia me esquecendo... fiz uma
música pra ti um dia desses. Eu gostei dela. As borboletas me falaram que ficou
boa, mas que tu não vai querer ouvir. Eu espero que vá. Paro a carta por aqui,
apesar de poder escrever livros pra ti, acho cartas longas enfadonhas. Te amo,
amor, faria de tudo pra arrancar essa distância que se infiltrou entre nós.
Tu me pergunta desde quando eu gosto de ti e eu não sei responder, não sei ao certo. Poderia dizer “Desde que te vi” para ser romântico, mas eu estaria mentindo. Poderia inventar alguma resposta inteligente e bonita, citar alguma fala de algum filme independente, desses que a gente gosta porque os personagens parecem conosco. Mas se fizesse isso, não seria sincero. E não gosto de mentir pra ti. Sei que não posso falar a verdade o tempo todo, ninguém pode, mas o faço sempre que possível.
Desde que tu me perguntou isso, tenho essa dúvida: a partir de que momento tu se tornou peça-chave da minha vida? Mas sabe de uma coisa? Acho que não foi um único momento, uma situação em que a tua imagem batesse forte em mim e se tornasse inesquecível. Eu penso que foram várias delas, que, em sequência, te tornaram parte de mim. Lembro de todas claramente, como poderia esquecer?
Teve um dia, quando ainda éramos apenas amigos, onde tu me chamou pra sair, passear pela Redenção, olhar as árvores, aproveitar o Sol, conversar, ver gente. Ver um ao outro. Caminhamos por mais de 5 horas, voltamos pra casa no escuro, eu fazendo algumas piadas ruins e tu gargalhando delas. Aquele dia foi importante, mais importante do que nos pareceu na hora.
Houve também aquela vez que tu gravou um CD e meu de presente, a idéia era me mostrar tuas bandas favoritas, tuas músicas favoritas, os sons que tinham a capacidade de falar por ti. Cheguei em casa, coloquei ele no rádio e me senti entrando no teu universo. E foi uma bela surpresa. Belle & Sebastian, Beatles, Smiths, Oasis, Radiohead, Joy Division... Tudo que eu também amava e que falava ao meu peito tanto quanto aos meus ouvidos. Dê uma guitarra pra um britânico triste e ele vai te dar uma obra-prima. Nunca te disse isso, mas esse CD continua dentro do rádio desde aquele dia.
A atenção que tu me dava, o jeito doce com o qual sorria me chamando pra ir no cinema, dar voltas no shopping, a voz decidida, mas meio envergonhada, com a qual tu disse que gostava de mim. E além de tudo isso, muitas outras coisas me levaram a gostar de ti, te tornar importante pra mim. Agora posso te dar uma resposta simples, do jeito que eu gostaria: não sei desde quando gosto de ti. Só sei que gosto. Só sei que te amo.